ACHARAM O CAMARGO
Acharam o Camargo! No último dia 28 de novembro, a historiadora e professora da UFF Hebe Mattos informou, em seu Twitter, que uma equipe de pesquisadores, cineastas, mergulhadores e quilombolas encontrou evidências relativas a restos de embarcações naufragadas na região de Bracuí, em Angra dos Reis, no sul fluminense. E era lá onde se encontrava o Camargo! Como é que não tem ninguém soltando fogos ainda por isso?
OK, expliquemos. O brigue Camargo foi um navio incendiado pelo seu próprio capitão, o americano Nathaniel Gordon, em 1852, depois de ter sido interceptado pela marinha brasileira ao desembarcar cerca de 500 pessoas trazidas de Moçambique para o porto de Bracuí. Tanto o porto quanto o navio eram de propriedade da família Breves, que, conforme foi relatado no segundo episódio do projeto Querino, “A grande aposta”, era formada por “empreendedores” bem diferenciados.
Os Breves foram os maiores traficantes de escravizados da história do Brasil quando isso já estava proibido no país, tendo cerca de três mil escravizados — enquanto outros “empreendedores” do mesmo nicho tinham, no máximo, cerca de 20 — e por volta de 100 propriedades em toda a serra fluminense. Por conta dessa empreitada em Bracuí, o capitão Gordon foi condenado, nos Estados Unidos, durante o governo de Abraham Lincoln, a ser enforcado em 1862, tendo sido o único americano da história a receber a pena capital por participar do tráfico negreiro. Já os Breves, bem… vale escutar esse episódio do podcast.
Mas qual é a importância de se falar disso agora? Caso você tenha sobrevivido aos últimos quatro anos de ausência governamental em diversas áreas, o Brasil ainda cisma em naufragar suas vergonhas. Afunda-se a existência do racismo, afundam-se as políticas públicas para as pessoas negras, afunda-se a cidadania para as pessoas negras, afunda-se a vida das pessoas negras através de operações policiais customizadas para elas… E qualquer paralelo do naufrágio forçado com o fato dos computadores do Planalto terem sido sumariamente apagados após as eleições não é mera coincidência. A grande fogueira de Rui Barbosa arde até hoje.
Também é irônico que o brigue Camargo tenha sido achado justamente no mesmo ano em que o ex-despresidente da Fundação Cultural Palmares — sim, aquele token do governo racista atual que acenava à família que tem a bandeira com os maiores símbolos da escravidão brasileira — falhou vergonhosamente em se eleger como deputado federal, apesar de ter toda a máquina pública à sua disposição. Além disso, ele ainda foi punido por assédio moral, discriminação às religiões e lideranças religiosas de matriz africana e manifestações indevidas nas redes sociais, praticamente um bingo. Por que o partido e os fiéis do seu presidente não foram capazes de elegê-lo, como aconteceu com os seus colegas brancos de outras secretarias e ministérios? Pois é. Tem Camargo que se afunda sozinho.