Poster de "Tempo Rei", de Andrucha Waddington, Breno Silveira e Lula Buarque de Hollanda, 1996

AGENTES DO TEMPO

Coletivo Pretaria
3 min readJun 22, 2023

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Ainda em março, eu vi o documentário “Andança — Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”. Eu vi vírgula, pois senti que era eu quem estava sendo visto pela Beth. Eu me vi na mesa do Bip Bip, no show da estação do metrô, no clique da fita gravando a voz do Cartola… Além de constatar, mais uma vez, que a música brasileira é um milagre que já valeu os últimos 4 milhões de anos de evolução humana, o documentário entrega essa sensação boa que é a de estar vivo e ter o privilégio de contemplar o que essa mesma humanidade tem de melhor a oferecer.

Ultimamente, eu tenho me dedicado a esse tipo de contemplação por dois motivos: 1- Contemplar é uma forma de homenagear; 2- A vida é muito curta pra dar moral pro que nos faz mal. Eu sinto que eu não tenho mais tempo a perder com o que me faz perder tempo. E o tempo rei, um dos deuses mais lindos, é o bem mais valioso de hoje.

A cultura pop já tem pontuado isso há bastante tempo, convenhamos. Agora, além da Inteligência Artificial estar dando os seus (verdadeiros) primeiros passos, todos os enredos dos quadrinhos, dos filmes, das séries e dos games parecem girar sobre sobre viagens no tempo ou pelo conceito de multiverso. Não tem uma só grande produção recente que não tenha se debruçado sobre isso até a exaustão. O tempo é pop e não para.

E pode anotar aí: num futuro logo ali, o tempo será a nossa maior moeda. As novas classes sociais serão configuradas entre quem tem segundos, minutos ou horas, com tudo isso abraçando saúde, influência e, principalmente, atenção. Olha esse aparelho aí que você está lendo essa coluna, por exemplo. Tudo isso daí trabalha na base do “clock” e todos nós que trabalhamos em prol de que você leia, ouça ou acompanhe qualquer conteúdo produzido por aqui nessas telas está disputando o seu precioso tempo. Por aqui, somos todos agentes do tempo.

O capitalismo temporal (ou seria temporalismo?) mal começou de fato e os especuladores do relógio, traficantes de “cronoquina” e faraós das bit-tempo já estão por aí, à espreita, pra aplicar os seus novos golpes. Todos eles prometem mindfulness, tempo presente, o agora… Já o tempo que é bom, de fato, não vem. E isso sem falar nos herdeiros de tempo, aquelas pessoas que não precisaram gastar tanto dele pra formar a sua rede de contatos porque já receberam isso de família, e que juram que ganharam isso porque mereceram. No fim, tudo por aqui é tempo e, no país que mata um dos nossos a cada 23 minutos, ele é muito mais do que dinheiro. Observemos com o que estamos perdendo ele.

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Coletivo Pretaria

ACERVO DE COMUNICAÇÃO DECOLONIAL, INTERSECCIONAL, ANTIRRACISTA, CIDADÃ E COMUNITÁRIA ATUALIZADO POR MEMBRES DO COLETIVO PRETARIA. UM PROJETO DO PRETARIA.ORG