Imagem estilhaçada de Sister Rosetta Tharpe, mulher negra estadunidense inventora do Rock n´Roll

ATTENZIONE, PICKROCKERS!

Coletivo Pretaria
4 min readJul 21, 2023

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No último dia 8 de julho, um nazi, digo, um tipo nazi agrediu, como xingamentos racistas, o vocalista Derrick Green, do Sepultura, durante um show da banda em Fortaleza. Além disso, o elemento ficou fazendo gestos nazistas no melhor estilo Phil Anselmo, o que foi calorosamente respondido pelo público com sopapos, catiripapos e outras variantes.

Nesse caso, o que me chamou a atenção mesmo foi um detalhe: de acordo com a reportagem da Folha, esse massageado pelo público gritou: “Esse negro não pode estar cantando”. Para ele, o Derrick não era digno de ser um cantor de rock. Um homem branco aleatório acusou um homem negro de não ser digno de cantar rock.

Eu vou até repetir isso e quebrar o parágrafo aqui, como se fosse um verso, para dar mais ênfase ainda a essa constatação que beira a comédia:

Um homem branco aleatório

acusou um homem negro

de não ser digno

de cantar rock

Derrick Green, vocalista do Sepultura

Raramente eu vejo exemplos de alegorias tão representativamente perfeitas para se falar de alguma coisa. Mas essa é uma delas. E para se falar de roubo.

Os corsários

“Jolly Roger”, típica bandeira pirata

Esse não é nem de longe o único ataque racista que já aconteceu em algum show de rock e, principalmente, de heavy metal. Eu mesmo já vi vários, inclusive, contra o próprio Sepultura que, desde 1997, tem um homem negro na sua formação. Na verdade, os ataques racistas com a banda já começaram até antes, quando o som do grupo começou a ter “coisa de preto”, como tambores, berimbau e mais groove (arrisco a afirmar que o disco “Roots” tenha sido, até hoje, o que mais sofreu racismo religioso na história do rock nacional) mas esse é um outro papo. Foquemos no roqueiro.

Sim, o roqueiro. Aquele que tem na caveira de perigo herdada dos piratas, vulgo Jolly Roger, um de seus símbolos mais estereotipados. Canso de ver gente falando como a caveira seria o exemplo de que, no rock, não há distinções entre sexo, cor, gênero e/ou religião. Mas o que ela simboliza mesmo é perigo. Roqueiro é perigoso ou, pelo menos, é o que se associa a ele desde que essa categoria que nasceu da costela dos motoqueiros foi criada. Porém, essa caveira não é a do pirata, mas a do corsário.

Para cortar uma volta repentina ao ensino básico, vou saltar logo para os finalmentes. Tanto o pirata quanto o corsário foram categorias que ganharam a vida roubando e pilhando outros lugares embarcações. Mas o pirata é o freelancer. O corsário rouba em nome de uma bandeira, de um rei. E essa bandeira, por aqui, é branca e não é. E o homem branco, doa a quem doer, é o corsário do rock.

Phil Anselmo, vocalista do Pantera

Acredito que, até o momento, todo mundo já saiba da origem negra do ritmo. Da origem profundamente negra do ritmo. Bibliografia e videografia não faltam mais para isso, convenhamos. Por isso, não é forçação nenhuma afirmar explicitamente isso sempre como fazem, por exemplo, bandas como o Black Pantera, o Crexpo e o Punho de Mahin, que tem como mote a frase “O punk nasceu preto”.

De acordo com o Anuário de Segurança Pública, os registros de racismo e homofobia cresceram mais de 50% no Brasil em 2022. Por isso que casos de racismo e intolerância dentro da cena rock não são exceções. Essas pessoas sempre estiveram por aí, só que não bradavam as suas suásticas tão explicitamente. Por isso que é necessário se reafirmar, sempre que for possível, a origem negra do rock e os seus usurpadores. Se o grito “Attenzione, pickpocket!” já virou o lema de uma geração, está na hora de criar outro: “attenzione, pickrockers!”.

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Coletivo Pretaria

ACERVO DE COMUNICAÇÃO DECOLONIAL, INTERSECCIONAL, ANTIRRACISTA, CIDADÃ E COMUNITÁRIA ATUALIZADO POR MEMBRES DO COLETIVO PRETARIA. UM PROJETO DO PRETARIA.ORG