Ei, preta, tome aqui seu turbante?

Coletivo Pretaria
4 min readJan 27, 2020

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O relato é de uma psicóloga que resolve promover uma oficina de turbantes para combater o racismo na escola pública em que atuava na Maré.

Para sua surpresa só uma ou outra aluna negra se interessou pela oficina, tendo um grupo formado majoritariamente por meninas brancas.

Seu questionamento, em uma conversa comigo, era sobre os critérios da autodeclaração e sobre a dificuldade de identificar quem é negro no Brasil.

Poderíamos ter ido adiante pelas questões do colorismo, sobre as questões psicológicas que envolvem a construção identitária e a projeção no outro, a partir do outro — branco — como ser universal.

Poderíamos, sim, ter ido por ali, já seria assunto para muita conversa, mas eu fiquei mesmo foi parada lá no início do relato: uma oficina de turbantes para combater o racismo, em uma escola pública na Maré.

Essa parte me pegou e fiquei pensando como cometemos diversos equívocos quando nos pensamos não racistas, a partir do entendimento de que se não separamos ou ofendemos ninguém, não somos racistas e, portanto, não temos responsabilidade acerca do racismo, afinal a culpa não é sua.

Pensar ações e atitudes antirracistas é ir mais profundo nas questões, é sair da superficialidade, é de fato estar pronto a descolonizar o pensamento e se confrontar.

Vamos a esse exemplo de uma atitude positiva, mas entranhada em pré-conceitos.

Em primeiro lugar: por que temos a expectativa de que pessoas negras tem interesse em turbantes ou em religiões de matriz africana, por exemplo?

É preciso ir além nas questões identitárias e nos percebermos enquanto negros diaspóricos em nossa complexidade cultural.

É preciso entender por quais construções identitárias passam pretos periféricos. O processo de necropolítica que afeta essa população, passa pela desvalorização de ser quem é, passa inclusive pelo medo de ser quem é… Talvez quanto menos traços de identificação enquanto pessoa negra, menos risco de ter seu corpo violado ou sua liberdade tomada.

Outras questões precisam ser levadas em conta: será que se nessa escola houvesse professores e professoras negras, que usassem estética para resgate da cultura africana, essa presença poderia repercutir de forma diferente nos alunos e nas alunas?

Será que se a psicóloga que organizou a oficina fosse negra e também fizesse o resgate de sua cultura e de suas tradições, o resultado seria diferente? Se a psicóloga é branca ou lida socialmente como branca, será que não poderia convidar uma mulher negra com conhecimento da história do uso dos turbantes pelas mulheres negras (inclusive historicamente, pelas negras escravizadas), para ministrar a oficina? Abro aqui um importante parêntese para indicar a leitura urgente e emergente de “Lugar de Fala”, de Djamila Ribeiro.

Antes da Oficina de Turbantes, por que não contar a história dos turbantes, contando sobre seu surgimento e as funções de seu uso nas mais diversas civilizações, podendo se concentrar posteriormente nas civilizações africanas?

Por que não apresentar a estética e as construções imagéticas das culturas africanas?

Nos reduzir a determinada expectativa de comportamento, também é racismo.

É preciso entender que o racismo é estruturalmente um sistema que privilegia um determinado grupo social, mas é também produtor de cultura e de subjetividade e, portanto, intermediador de todas as nossas ações.

Nesse aspecto, é preciso entender que para meninas brancas os turbantes se tornam acessórios da moda, que empregam estilo e um certo ar de “descolamento” social.

Já nas meninas negras é se colocar politicamente, é trazer para si toda uma história de apagamento histórico e invisibilidade social e que precisaria, por isso, de um trabalho profundo de ressignificação, para que fosse percebido como resgate de cultura e tradição de beleza ancestral, dando a elas o direito de conhecer sua história e, em sabendo de si, ter o direito de escolha.

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