Luto e Black Joy
Esta última semana foi uma das semanas mais difíceis pra mim nos últimos tempos. A minha avó, Deolinda Evaristo da Silva, faleceu. Com o falecimento de uma pessoa tão querida e com a distância de um mar que guarda todas as minhas lágrimas eu comecei a refletir sobre o luto e como ele é um processo único, intransferível, principalmente para comunidade preta de África e da diáspora.
O Brasil mata um jovem preto a cada 23 minutos. O Reino Unido decidiu não incluir a história do povo britânico preto no currículo estudantil. E como cidadã de ambas as nações ser testemunha disso reforça a ideia (construída por eles) de que a nossa existência não é considerada. Esses fenômenos são parte de um programa de epistemicídio e extermínio de um povo. E por sua vez nos faz lidar com o luto e a perda de uma maneira desproporcional aos nossos semelhantes brancos.
Mas há uma maneira certa de lidar com luto? Tenho me feito muito essa pergunta nos últimos dias, pois me encontro conseguindo conversar com amigos e até mesmo me divertir.
Obviamente isso não é o tempo todo, mas nos momentos em que eu me encontro plena e leve, e consciente dessa plenitude, eu me deparo com uma culpa. Culpa. Uma palavra que tem um papel tão prominente no nosso vocabulário. Que nos inferioriza e nos faz sentir menor e menor a cada dia que passa.
E pensando nisso, em como nós vivemos em uma cultura e sociedade que capitalizam nossos sofrimentos e nossas dores, eu me deparo com a seguinte pergunta: por que é tão difícil para eles nos verem felizes?
Black Joy. Este é um termo que vem sido usado pelo Movimento Negro e que tem um valor enorme na reflexão da coluna deste mês.
Black Joy como uma forma de ativismo que celebra a beleza e diversidade que compõem as nossas vivências como pessoas pretas. É honrar a nossa cultura, a nossa arte e es nosses. Não deve ser visto como algo temporário, mas, sim, como parte da nossa sociedade.
Eu acredito que seja necessário que nós possamos nos permitir. Nos permitir sentir. Nos permitir estar triste e chorar. Mas, também — e principalmente — , nos permitir estarmos bem. Estarmos plenas e plenos.
E aqui eu aprendo muito com as lições que a minha avó Deolinda deixou para mim: “o que a gente leva da vida são esses bons momentos!”. Como uma mulher preta, a minha avó sofreu diversos tipos de injustiças e agressões (implícitas ou explícitas). Mas eu só sei disso por conta do contexto e da consciência que ela é uma mulher preta no Brasil. O que ela escolheu dividir comigo foi sempre alegria e histórias gostosas e cheias de emoção. A minha avó soube viver. E há muito valor nisso!
A nossa existência é a nossa resistência. E a nossa felicidade é a maior maneira de resistir. A nossa felicidade funciona como interface entre nós e nosses ancestrais, honrando a vida daqueles que vieram antes de nós e sofreram dores que constituem a nossa existência.