Mulheres Negras, o sustentáculo sócio-político da sociedade.
Brasil, por que nos ignora? Até quando fingirás que não nos deve nada?
Recentemente, participei de uma reunião com dona Conceição Evaristo! Ela mesma! E, sim, fiquei paralisada! Foi uma conversa riquíssima, na qual ela nos encheu de conteúdos de extrema relevância para a formação das pessoas daquele grupo, que, assim como eu, escolheram o ativismo negro como mola propulsora da Vida. Conceição nos inundou com seu mar de sabedoria, potência e generosidade. Houve um momento em que tomada por emoção, agradeci dizendo a ela o quanto aquela conversa tinha sido revigorante para nós que vimos enfrentando dias difíceis na luta contra o racismo e pela equidade racial. “Bom, já que você me provocou, deixa eu te contar uma história”, disse ela. Com uma leveza impressionante, a escritora relembrou que quando jovem e a todo vapor no ativismo negro, ao lado de nomes importantíssimos como Abdias do Nascimento, havia enorme dificuldade em acionar jornalistas para que as pautas negras chegassem às redações. Como se contasse um poema, ela construía uma ponte imaginária que ligava sua vivência a nossa para nos mostrar que mesmo diante de todas as dificuldades e perdas a luta negra avançava. A escritora traçou um paralelo entre os entraves existentes em sua época de militância e que hoje em dia já não são mais ameaças as nossas iniciativas. Se ontem o desafio de Conceição Evaristo era cooptar “pauteiros” que topassem receber os assuntos relativos às questões negras da época, hoje, a nossa missão já não é mais acessar às mídias — visto que já construímos nossas próprias redes de propagação de informação -, mas, sim buscar por equidade em todos os espaços de poder.
Ela também usou a estratégia de luta da Capoeira como analogia para explicar que a trajetória do povo negro é marcada por fases de movimento e suposta inércia. Quem conhece minimamente o esporte, que ora dança, ora luta, sabe que quando o oponente parece nada fazer, é daí que pode vir o golpe fatal. De uma certa forma, dona Conceição Evaristo estava nos dizendo: Continuem!
Mês de julho, dia 25, é tempo de comemorar o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana. Eu cheguei a pensar em uma pauta não necessariamente ligada à mulher negra, mas, impactada pela retórica dessa Griot (Conceição Evaristo) e considerando a importância da data, e de como temos lutado incansavelmente para alçar a mulher negra ao posto que realmente lhe é de direito nas construções sociais, não há outro assunto para dividir com vocês, senão esse. E porque, como muito bem disse o jurista Silvio de Almeida em entrevista histórica concedida ao programa Roda Viva: “As Mulheres Negras são o sustentáculo político e social desse país”.
Sem nenhum compromisso cronológico ou histórico e seguindo apenas minha busca pessoal por me conectar com produtoras negras de conhecimento, cito algumas das intelectuais negras brasileiras que, a meu ver, mudaram o pensar sociedade no Brasil. Ao mesmo tempo em que remonto essas personalidades na minha memória, me indigno; como os nomes e obras dessas e de tantas outras mulheres negras não estão em todos os cantos, servindo de referência maciça para escolas, universidades e locais de produção de saber? Até quando o Brasil fingirá que não nos deve nada?
Um salve a Tereza de Benguela, Antonieta de Barros, Aqualtune, Theodosina Rosário Ribeiro, Benedita da Silva, Jurema Batista, Leci Brandão, Ruth de Souza, Tia Maria do Jongo, Elisa Lucinda, Conceição Evaristo, Maria Filipa, Maria Conceição Nazaré (Mãe Menininha de Gantois), Luiza Mahin, Lélia Gonzalez, Dandara, Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Marielle Franco, Helena Theodoro, Carolina Maria de Jesus, Tia Doca, Elza Soares, Mãe Stella de Oxóssi, entre tantas outras personalidades que, produtoras de saber (reconhecidos ou não pela academia) nos fortalecem, fortificam, encorajam e sustentam nessa longa e trabalhosa jornada que é ser mulher negra no Brasil.
Que estejamos sempre bebendo na fonte de mulheres negras!
Compartilho com vocês algumas das minhas referências no momento:
Mineira, LÉLIA GONZALEZ faria 85 anos. Doutora em antropologia política|social, em São Paulo e figura central na construção do pensamento sócio-político negro no Brasil, foi fundadora do Movimento Negro Unificado. Ativista incansável, militou em diversas organizações e iniciou o processo de diáspora com as intelectuais negras americanas. Quando no Rio de Janeiro, em 2019, Angela Davis, uma das principais ativistas negras americanas, disse mais ou menos assim: “Não entendo porque vocês olham para fora, quando vocês têm figuras como Lélia Gonzalez no front do ativismo negro brasileiro”. Nunca mais me esqueci dessa fala de Davis e refleti o quando ignoramos nossos ícones.
Primeira deputada negra do Brasil, Lélia Gonzalez escreveu em um dos seus livros: “A mulher negra anônima, sustentáculo econômico, afetivo e moral de sua família, é quem, ao nosso ver desempenha papel mais importante. Exatamente porque, com sua força e corajosa capacidade de sobrevivência, transmite a nós, suas irmãs mais afortunadas, o ímpeto de não nos recusarmos à luta pelo nosso povo”
MARIA BEATRIZ DO NASCIMENTO, Sergipense, professora, intelectual, pesquisadora, poetisa e ativista, autora do filme Ori, de 1989. Pensa como o corpo negro transita pelos territórios e se instala (temporária ou permanentemente) nos espaços. Participou de grupo de ativistas negras (os) que se espalhou criando vários núcleos de estudos no estado, dentre eles o Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense, o GTAR, que visava introduzir e ampliar as discussões acerca das relações raciais no Brasil, intencionando também um maior envolvimento do corpo docente nas questões raciais.
Outro expoente da luta da mulher negra, médica e doutora em Comunicação e Cultura, fundadora da ONG Criola, JUREMA WERNECK é ativista desde tenra idade. Atua intensamente na garantia dos direitos humanos das mulheres negras que, apesar de serem a maior fatia da população (28%), estão na base da pirâmide social. Jurema destaca o papel fundamental da mulher negra diante de se posicionar contrária à força de morte instaurada pelo projeto genocida brasileiro focado em ceifar vidas negras.
CARLA AKOTIRENE, baiana, doutoranda em estudos feministas pela Universidade Federal da Bahia, escreveu “O que é interseccionalidade”, safra dos (as) intelectuais cuja produção integrou a coleção Feminismos Plurais, capitaneada pela filósofa Djamila Ribeiro.