O Poder do Discurso {Preto}
E o Poder das Narrativas, das Poesias, das Epistemes, dos Imaginários, das Memórias {Pretos}
“Todas as lutas são, essencialmente, lutas sobre poder.”
“Comecei a escrever sobre poder, porque era algo que eu tinha muito pouco.”
Octavia E. Butler em ‘Kindred: Laços de Sangue’
“Por mais que aparentemente o discurso seja pouco importante, as interdições que o atingem logo e depressa revelam a sua ligação com o desejo e com o poder. E o que há de surpreendente nisso, já que o discurso — como a psicanálise nos demostrou — não é simplesmente o que manifesta (ou oculta) o desejo; é também o que é o objeto do desejo; e já que — a história não cessa de nos indicar — o discurso não é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, aquilo pelo que se luta, o poder do qual procuramos apoderar-nos.”
Michel Foucault, em ‘A Ordem do Discurso’
Sobre discursos e poder: qual a diferença sensível entre Octavia E. Butler e Michel Foucault, quando analisam discurso e poder?
É evidente: o lugar de onde enunciam suas análises e como experimentam o poder — ou a falta dele.
O #NovembroNegro de 2019 se constrói desafiando discursos e narrativas hegemônicos, a partir de produções negras do sul do mundo exemplares, vanguardistas, colocando “tudo isso que está aí” em oposição ao NOVO, ao devir preto que representam.
Não exagero em dizer que, em um dos piores cenários históricos mundiais possíveis, existem campos do pensamento e do fazer tecnológico, científico e artístico negros em intensa profusão na cidade do Rio e em todo o Brasil. Promovem centralidade e repercussão importantes ao nosso empoderamento, enquanto protagonistas de movimentações cruciais que garantem nossas (re)existências.
O Poder {Preto} — entre chaves, utilizando o suporte simbólico da montagem “Gota D’água {Preta}”, com direção de Jé Oliveira e que esteve em cartaz no Rio antes do novembro chegar — manifesta-se coletivamente, diferentemente do individualismo, do egocentrismo e da violência impositiva do poder branco universal. Não faz sentido ao nosso devir experimentarmos um modelo de poder que não nos prevê a todes.
O grande destaque do período foi o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul 12 anos — Brasil, África, Caribe e outras diásporas, maior festival de cinema negro da América Latina, que se agigantou em sua noite de abertura, no final de outubro, com a presença inédita, tanto no evento e quanto na cidade do Rio, de Angela Y. Davis, #apenas.
Adentrou o #NovembroNegro com exibições de filmes, formações, oficinas e master classes com realizadores pretes de diferentes países, manifestação incontestável do nosso poder discursivo, narrativo, propondo novos olhares e novas gramáticas visuais que façam com que as audiências enriqueçam seus repertórios sociais e subjetivos e percebam o sentido de valorizar e considerar diferentes existências e visões de mundo.
Alcançar essa necessidade de ampliação dos lugares, das expressões e des indivídues em posição de Poder será o que nos fará a todes responsáveis, de fato e de direito, pela condução cidadã das sociedades, onde caibam todes, considerando territorialidades e demais interseccionalidades.
É possível compartilhar e vivenciar o Poder coletivamente. Filosofia UBUNTU como práxis ancestral. Nós, pretes, (re)conhecemos como.