O que está sob o nosso controle durante a crise pandêmica: COVID-19?
DISCLAIMER: Este texto não contém uma análise científica da pandemia, mas, sim, uma contribuição focada no que nós podemos fazer individualmente para o nosso desenvolvimento e autoconhecimento.
Presto aqui somente um depoimento e uma tentativa de pensar em soluções. Como já foi dito amplamente nas redes, nós não podemos voltar ao ‘normal’, porque o normal foi o que nos trouxe a essa circunstância. O ‘normal’ sendo um sistema regido pelo capitalismo, pelo racismo estrutural e, por sua vez, a falta de empatia e compaixão para com o outro.
Sei que estou dialogando de uma posição de grande privilégio. Privilégios se tornaram muito mais evidentes durante esse período. E a vulnerabilidade dos membros das nossas comunidades durante esse período é um assunto que deve — e será — considerado prioritariamente.
Estamos atravessando uma fase difícil que irá moldar nossas perspectivas e atitudes de maneira global. Hoje estou escrevendo essa coluna de Nottingham, no Reino Unido. E muitos sentimentos estão a flor da pele. Por conta das repercussões e pela posição geográfica da Grã-Bretanha no epicentro desse vírus — que está se deslocando para os EUA, se aproximando de ser o novo epicentro — o país está em quarentena. Dentre as muitas mudanças, uma delas foi voltar a morar na casa dos meus pais. Algo que, após a minha ida para universidade em outra cidade, achava que não iria acontecer. E o sentimento que vem com essa mudança (mesmo que temporária) é o que os britânicos chamam de ‘bitter sweet’, ou seja, ‘amargo doce’. Doce porque é um grande privilégio ter uma segunda casa e um ambiente em que sou sempre tão bem acolhida. Mas amargo, pois proporciona um sentimento de transgressão.
Após sair de casa, me adaptar a uma nova cidade, começar a trabalhar e contribuir remotamente para diferentes veículos, eu comecei a me sentir independente. Capaz de ter uma vida relativamente autônoma. E com essas mudanças, venho sentido uma grande impotência, já que grande parte dessa ‘independência’ não existe mais. Tenho fé de que, se as medidas corretas forem aplicadas e os líderes dos nossos países levarem a sério a dimensão dessa pandemia, esse período em quarentena será breve. Mas longo o suficiente para uma reflexão profunda.
Conversando com amigos nos quatro cantos do mundo, do Rio de Janeiro à Viena e de Madrid à Melbourne, percebi que por mais que nos encontremos em circunstancias semelhantes (todos alunos universitários em uma posição financeira confortável, ou seja em uma posição de privilégio) as reações a crise pandêmica são bem mais polarizadas do que eu esperava.
Os otimistas me inspiraram, os pessimistas me ajudaram a refletir no quão séria essa situação é. Ambos os grupos me ajudaram a me reconectar ao meu propósito e acredito que todos nós temos a capacidade de buscá-lo. Pois isso se trata de um processo individual e intrasferível.
Ilustrando a pluriversalidade (Aza Njeri), cada um de nós pode despontar, diante de crises como a que estamos atravessando, como fonte de aplacamento de ansiedades, nos ajudando mutuamente a compreender que este não é momento para autocritica, mas, sim, para reflexão.
A minha própria reação não tem sido binária. Após mais de três semanas em quarentena (pois tive coronavírus antes da Grã-Bretanha anunciar a quarentena), hoje tenho uma opinião menos instintiva como podemos lidar com essa fase, sem perder de vista a necessidade de continuarmos lutando contra políticas racistas, eugenistas, genocidas, que exacerbam as sociedades injustas nas quais habitamos.
Para que possamos ajudar aos nossos semelhantes, precisamos estar fortes e seguros das nossas próprias convicções. Qual a diferença entre o que eu quero e o que eu desejo? No meu caso, senti que este se mostrou o momento para ingressar em tudo aquilo que não havia tempo anteriormente. E a tecnologia é a nossa aliada. Com tanta informação disponível, fica difícil saber por onde começar ou se esse é o momento propício para começar.
Mas se não agora, quando? Isso via de cada uma, de cada um. Que tal ler aquele livro que está na sua estante há muitos anos, mas o momento ‘certo’ para lê-lo nunca surgiu? Ou se ingressar em um curso gratuito online, por veículos como Coursera ou até mesmo no YouTube? As opções são vastas, de um curto curso de edição à uma especialização em codificação.
O Jornal Diáspora Negra disponibilizou um artigo aqui no Medium que contém 22 cursos de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira para estudar em casa. Talvez essa seja a fase em que você aprende um novo idioma, com aplicativos como Duolingo. Ou começar uma pratica de ioga em casa, utilizando canais como o da Yoga with Adriene.
A minha reflexão vem me mostrado que, na minha vida, sempre haverá algo a ser conquistado. O circo está realmente pegando fogo lá fora, mas há uma grande diferença entre o que está dentro do nosso controle e tudo aquilo que foge das nossas capacidades.
Para que possamos voltar para luta, é necessário que voltemos fortes e revigorados. Com todo o conhecimento necessário para reconstruir um mundo em que crises pandêmicas ou geopolíticas não tenham o impacto devastador que essa crise está deflagrando.