O sopro do Alagbedé Zé Diabo
Alagbedé é o grande ferreiro dos orixás. Título honorário à Ogum, aquele que ensinou as técnicas e segredos da forja para os seres humanos. Apesar de ser um aspecto muitas vezes esquecido na figura mítico guerreiro, a tecnologia do ferro é uma das características que mais demarcam a persona desta divindade africana.
Em Alagbedé, Safira Moreira e equipe moldam uma narrativa-homenagem para José Adário dos Santos, o Zé Diabo da Ladeira da Conceição da Praia, centro histórico de Salvador, Bahia. Fazendo parte de um projeto de mesmo nome, que além do curta metragem desenvolveu uma exposição virtual e uma cartilha educativa, o grande ebó cultural desenvolvido por estes artistas é uma celebração a existência dos ferreiros.
José Adário dos Santos é um dos principais nomes que carregam a arte com os ferros. Mantendo viva a tradição de ferreiros desde Ogum Zé Diabo fabrica portões, agogôs, ferramentas de santo, instrumentos de percussão e esculturas de ferro. Todos estes garantem seu sustento, da mesma maneira que mantém viva uma a prática, que enverga, enferruja, mas nunca morre.
O documentário Alagbedé ao mesmo tempo que reverencia o cotidiano do ferreiro da Ladeira da Conceição da Praia com seu trabalho de artífice com os ferros, também é uma referência direta à Ogum como patrono das tecnologias. Como dito, Ogum é muito mais do que apenas o guerreiro, é aquele que partilha com sua comunidade os segredos do ferro, o que permite aos humanos forjar ferramentas de agricultura, caça, utensílios domésticos e sobretudo as armas. O ancião Zózimo Bulbul nunca cansou de dizer que o cinema negro é uma arma e sabemos muito bem como atirar, e Ogum nunca nos deixou só nessa batalha.
As audiovisualidades nunca foram ferramentas tão potentes quanto são agora. Câmeras, smartphones e gravadores são tecnologias herdadas dessa mineralidade de Ogum, são armas nas disputas de narrativas que tanto denunciam sufocamentos, como nos dão afagos audiovisuais. Registrar a herança viva de personalidades como José Adário é manter nossos conhecimentos, tecnologias e saberes vivos tão quanto outrora eram as bibliotecas. Ter um repertório de narrativas que abriguem os sopros divinos de anciões como Zé Diabo são uma forma de mantermos nossas tradicionais forjas acesas por ainda muito tempo.