PRECISAMOS FALAR SOBRE O SUL

Coletivo Pretaria
3 min readMar 3, 2023

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O empreendedorismo nazi realizado nas vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, na serra gaúcha, onde mais de 200 trabalhadores foram tratados como se a Lei Áurea tivesse sido expurgada pela deforma trabalhista, me bateu forte. Não que a região já não tivesse histórico para práticas do tipo conforme o podcast Rádio Novelo Apresenta demonstrou nesse episódio aqui, mas a resposta a tudo isso por parte de algumas figuras de autoridade tem revelado um Brasil bem indigesto. O vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul, por exemplo, disse que as vinícolas da neocasagrande deveriam contratar os argentinos ao invés “daquela gente suja lá de cima”.

Esse “gente lá de cima” que ele diz é dos nordestinos mesmo, sintetizados na fala apenas como “baianos”, cujo única cultura, de acordo com o vereador, é “viver na praia tocando tambor”. A trama toma contornos ainda mais “complexos” quando vimos que não eram todos os trabalhadores das vinícolas que eram tratados da mesma forma. Ao UOL, um dos trabalhadores do local, que é gaúcho, afirmou que “nós do Sul não apanhávamos”.

De acordo com o site da prefeitura de Bento Gonçalves, onde aconteceu esse crime hediondo, 1,14% da população da cidade que tem 123.090 habitantes recebeu o Bolsa Família entre janeiro e setembro de 2021. Desses, a média do valor do benefício por pessoa foi de R$ 176,19. Repetindo: R$ 176,19. É com esse valor que o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CICBG) deu chilique, por meio de uma nota já editada, em que afirma que “há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista”. O Bolsa Família já provou, por meio de dados, que já livrou muitas pessoas, principalmente, as mulheres, de terem que se sujeitar a trabalhos degradantes como essas que o CICBG passou pano.

No dia 1º de março, a Câmara de Porto Alegre promulgou a lei que dá o nome de “Olavo de Carvalho” a uma pequena rua da Zona Sul de Porto Alegre. O antigo nome do logradouro era Rua Odília Feliciano de Souza, uma líder comunitária negra que fundou o Clube de Mães Força e Esperança, para amparar as mães solo, além de uma creche e um centro de saúde no local que o autodenominado filósofo nunca pisou. Já no início de fevereiro, a vereadora Maria Tereza Capra, do PT, foi cassada na cidade de São Miguel Oeste, após ter dito que gestos nazistas foram feitos durante uma manifestação bolsonarista. No Paraná, menos de 4% dos boletins de ocorrência ligados a atos racistas, como o ataque neonazista que o músico Neno sofreu, terminam com condenação.

ALGO DE PODRE NO REINO QUE QUER SER DINAMARCA

Não, essa escalada recente de acontecimentos na Região Sul não é aleatória. Tudo faz parte de um grande projeto, um grande acordo nacional pela manutenção de privilégios em um país multicultural, mas para apenas um lado. Indo além, essa epidemia de racismo explícito que não tem paralelo em nenhuma outra região do país também faz parte de outra problemática da região: a construção de um Sul que acha que não faz parte do Sul Global. Dos que se orgulham por não se deixarem ser escravizados, como já foi cantado até no STF. Daqueles que negam o massacre dos lanceiros negros em Porongos e a cor do poeta Cruz e Souza. Daqueles que se acham brancos demais para serem brasileiros.

Mas nem tudo é ruína. Há pessoas negras no sul. Há indígenas no sul. Há pessoas aliadas no Sul. Há antifascistas no Sul. Há democratas no Sul. Gente como o Coletivo Preto no Metal, de Porto Alegre; o grupo Policiais Antifascismo; os Centros de Tradições Gaúchas Negros; a Liga das Canelas Pretas; a bancada negra que se recusou a cantar o hino racista do Rio Grande do Sul; e o grupo de juristas, jornalistas e historiadores que tocam o Museu da Lava Jato. Gente que salvará o Sul dele mesmo.

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ACERVO DE COMUNICAÇÃO DECOLONIAL, INTERSECCIONAL, ANTIRRACISTA, CIDADÃ E COMUNITÁRIA ATUALIZADO POR MEMBRES DO COLETIVO PRETARIA. UM PROJETO DO PRETARIA.ORG