Se é amor, invade e não é fim: Malcolm&Marie, amar, fantasias, vida e pertencimento

Coletivo Pretaria
3 min readMar 22, 2021

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Este será um texto evidentemente influenciado pela leitura de Tudo sobre o amor: novas perspectivas (Editora Elefante, 2021), de bell hooks. Pensava eu. Ainda será, mas não prometerei nuances mais diversas. Escolhi tecer breves (isto é, de fato, um cachimbo, recordam a coluna passada?) palavras a respeito de Malcolm&Marie (Netflix, 2021), produção estrelada por Zendaya e John David Washington (“BlacKkKlansman”; “Tenet”) em cartaz no streaming. Replico Bethânia na súplica, e não mais falarei do Brasil. Não há, ou haverá, crise ética deflagrável da normalização (forclusa, porque neurótica à brasileira, já dizia Lélia Gonzalez) de massacres e crimes históricos (dos Quinhentos aos Oitocentos escravista e dos Novecentos ditatoriais) frente ao genocídio negro e indígena continuado na/pela Covid-19. Embora não vá silenciar, recolho-me na tentativa de mitigar, a nível cotidiano, efeitos materiais e emocionais, e organizar politicamente a raiva na macropolítica. 2022 está acontecendo.

Realizada a breve digressão, retorno ao longa. Entreguei-me a dúvidas, anseios e realidade pelo cessar das fantasias de si para si, qual quereria Sartre. Precisamos acabar com fantasias, ou não nos permitiremos jamais — a nada. De início, o espaço da crítica intelectualizada, em geral branca, de saberes negres — em perspectiva, audiovisuais — unicamente forjados e condicionados à ou pela experiência do racismo e seus efeitos psíquicos encontra a sátira, ou melhor, caricatura como resposta à releitura colonial do paternalismo racista e acadêmico universitário de elite na seara artístico-cultural — Malcolm (John David Washington) é um diretor de cinema negro em noite de première do filme inaugural de sua obra cinematográfica hollywoodiana –. Incômodos lançados a quem de direito, ou narcisismo, pertence, a narrativa segue um curso talvez inesperado. O debate surgido com Marie (Zendaya), companheira de Malcolm, então seguido de agressões, sobretudo emocionais/psicológicas, abusos da mesma ordem, negligências e mágoas à percepção do silêncio da parceira ante os (grandes) feitos da noite iluminou mais fragilidades e constatações que incertezas sobre a qualidade de relacionamentos por nós travada, homens, mulheres, pessoas aqui, agora, no presente território (ocidental). A mobilização de cada artifício dos citados há pouco enquanto triunfo em uma discussão aliás latente é desvelador da insegurança gerada pela falta de disponibilidade nossa na compreensão das necessidades, próprias e da parceria escolhida, frente ao ainda indefinido, porque afugentado, de si qual limite, grau/intensidade da doação e abertura ao aprendizado/mudança. Desatenção, até. Descuido.

Se, segundo hooks, o amor não floresce ante constrangimentos e violências, apesar do cuidado, afeição e carinho coexistentes, tornar verdade a decepção por não se reconhecer parte ou valorizada em igualdade na relação, negada ou aí não avaliada relevante por fatores vários (insira desde machismo a estressores outros), e cobrá-la, é ato de amor próprio e tentativa de refundar, esta feita sob o amor (?), uma parceria romântica considerada, digamos, promissora — ou importante. O pedido por reciprocidade, e reconhecimento, porque do tanto de admiração e respeito ainda mutuamente alimentado, não é caritativo, mas definidor dos próximos passos. Continuaremos assim, ou não será. Sem nós, juntes, iguais, não haverá conosco.

Reconheçamos contribuições e responsabilidades cabíveis a todes, e orgulhemo-nos disto. Não há demérito, apenas honestidade. Falta-nos maturidade ao entendimento da interdependência como força, e não fraqueza. Falta-nos compromisso em aceitar sentimentos, distorções, complexidades e ambivalência na literalidade.

Paremos de operar na escassez. O tempo é aqui, e precisamos cumpri-lo da melhor maneira possível — diria disponível, mas disponibilidade é criável, não pré-existente. Certamente, fui verborrágica. Caso algo dito acima tenha feito sentido, acolha-o, elabore-o, aprimore-o e adapte-o. Se não, diria Audre Lorde (1934–1992), deixe para lá. Diante da morte evitável banalizada, e iminente, viver a existência concedida agora em plenitude faz sentido. Legá-la, igualmente. Entretanto, é preciso buscá-la.

Por isso, amem. Transformem(-se). Mudem(-se). Sejam sem desculpas. Amem(-se). É (d)o amor a cura.

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