“Boutique de cordonnier”, Jean-Baptiste Debret, 1835–1835

SÍNDROME DO IMPOSTO

3 min readMay 16, 2023

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Se tem uma coisa que eu venho aprendendo ao me aproximar das quatro décadas de existência — inclusive, o meu sarau internético “quarentextos”, hoje, fala mais dos “quase quarenta” do que da quarentena — é que as coisas boas que acontecem com a gente também geram crises. Como têm acontecido coisas boas, já que há quase um mês eu tornei pública a minha saída da redação do Globo pelo nobilíssimo motivo de fazer parte do time da Rádio Novelo, é claro que ela veio. E veio forte.

Curiosamente, nesse mesmo período, eu bati logo de frente, na minha timeline, com um grande texto do Rick Trindade, um dos influenciadores digitais que eu mais gosto de acompanhar. No último dia 27, em seu instagram, ele mandou essa: “Se eu não posso ser medíocre, e se eu preciso ser perfeito, qual lugar é possível que eu ocupe? Quais oportunidades serão possíveis pra mim? Quando eu serei suficiente?”

“Quando eu serei suficiente?” Isso era exatamente o que eu estava ecoando aqui. Uma sensação de intangibilidade das minhas potências que beirava a imobilidade. E olha que tudo isso foi por causa de uma coisa boa: um novo trabalho. Porém, essa nova luz revelou outras sombras que trago comigo. Mesmo com tudo indo bem, todas as dezenas de nãos que eu escutei até aqui, por exemplo, vieram fazer uma tour. E esse “não” é só um resumo grosseiro mesmo. Eles foram muito mais dolorosos do que simplesmente um alguém me falando “não”.

Durante esse tempo (e terapia), descobri que esse puro suco de ansiedade capitalista era algo próximo, mas diferente, da famosa Síndrome do Impostor. Eu não estava me achando uma farsa por ocupar o lugar que eu ocupo, muito pelo contrário. Percebi que era a Síndrome do Imposto mesmo. Daquilo que impõe pra gente sobre a gente a ponto da gente não se ver mais na gente. Que pessoa negra, em algum momento, não realmente achou que era feia de tanto que as vozes de fora falavam isso? Ou que nunca conquistaria o que conquistou? Ou que trabalhava mal e/ou na base do truque? Ou que o tal “serviço de preto” (spoiler: o Brasil nasceu dele) não vale nada?

A Síndrome do Imposto vai existir enquanto o olhar da branquitude seguir sendo a régua e o chicote da humanidade. Não temos muita escapatória a não ser nos blindar um pouco sobre isso e fazer redução de danos não só contra o julgamento alheio, mas contra a nossa própria autocrítica que, muitas vezes, toma a forma de um senhor de engenho. Fazer o nosso e o por nós é uma ótima forma pra isso. E, claro, guardar fósforos.

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