Tem um quê de Afro neste Afroempreendedor
E de repente começamos a usar o prefixo Afro, na frente de palavras como empreender ou empreendedor e empreendedorismo, para identificar homens e mulheres negras que precisaram encontrar uma fonte de renda desenvolvendo por conta própria um produto ou serviço — aqui vale uma observação: essa é a real, porque são raros os casos em que o empreendedorismo surge como escolha na vida de pessoas negras.
Mas não foi de repente, há uma construção sócio-política de longa data dos Movimentos Negros para trazer a referência Afro para as representações negras brasileiras, principalmente a partir da fundação do Movimento Negro Unificado, no fim da década de 70, com as contribuições de duas grandes e ilustres lideranças negras: Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez.
De lá pra cá, avançamos em alguns aspectos, mas a precarização das relações de trabalho, a automação da indústria e um mundo cada vez mais digital, sem qualquer política pública que preparasse o terreno para essa nova realidade, jogou milhares de brasileiros negros no desemprego e na informalidade.
Paralelamente, a internet abriu espaço para contra narrativas e sonhos diferentes dos pensados pelas grandes mídias. Pessoas que pensam de forma semelhante começaram a se unir em torno de suas causas, formando novos mercados, ou os “nichos dos nichos”.
A internet também acirrou as discussões sobre raça, aprofundando e ampliando o debate para fora dos muros das universidades, o que permitiu que cada vez mais pessoas se identificassem enquanto pessoas negras. Precisamos ressaltar que todo esse movimento começa no período em que o Brasil experimentava governos de esquerda, que melhoraram as condições sócio-econômicas das classes C, D e E, onde se concentram a maioria das pessoas negras. Também foi essa a época da implantação do Estatuto da Igualdade Racial e da política de cotas, todas conquistas de anos de luta do povo preto e dos movimentos negros organizados.
Esse reconhecimento provocou uma busca identitária que também vem sendo respondida nas redes, através de pautas, discussões e, sim, de mercado de consumo, porque até agora a grande mídia não se ocupou de pautar e reverberar devidamente nossa agenda e, ao que parece, nem vão.
Os grandes mercados até o trágico assassinato de George Floyd (negro estadunidense assassinado por asfixia por um policial branco em plena luz do dia, em maio desse ano, tendo sido filmado e compartilhado nas redes sociais ao redor do mundo), pareciam alheios a todo esse movimento, enquanto cada vez mais capulanas (como são chamados os tecidos de estampa africana, principalmente oriundos de Angola e Moçambique) nas vestimentas e turbantes têm tomado as ruas… eram afroempreendedores produzindo, educando e construindo mercado.
E não parou por aí: são desde restaurantes de culinária afro-brasileira, abrindo em diversos estados, não mais em lugares escondidos como costumava acontecer, passando por camisetas com mensagens de luta e até deboche contra o racismo, até material de papelaria, tendo como capa heróis e heroínas negras.
O surgimento dessas marcas vem na leva de uma turma de novos pretos e pretas acadêmicos, que têm participado desses empreendimentos pretos direta ou indiretamente. Muitos deles têm sido responsáveis pela luta por melhores cargos nas empresas, exigindo, entre outras coisas, equidade salarial. Quando não encontram seu lugar nesses espaços, começam a abrir os seus próprios espaços, mais uma vez aliando as ferramentas da academia ao resgate da sabedoria ancestral.
Muitos têm dito que o Afro se tornou pop, mas por mais pop que se torne não perde seu valor de luta e resistência, por tantos dos nossos que lutaram para que hoje pudéssemos começar a exigir dados de consumo do Afroempreendedorismo e do quanto movimentamos a economia a cada ano. Não é sobre dinheiro. É ato político. É mudança de entendimento da nossa relação com dinheiro, que significa mudar, também, a nossa relação com o trabalho e com o mundo.
Afroempreender é pertencimento, autonomia e mudança de cosmovisão.
Negócios pretos têm características próprias, carregam em si tecnologias ancestrais de distribuição de tarefas, de hierarquia, de atuação coletiva e de reaproveitamento de recursos.
Sem romantização, ainda temos muito pelo que lutar, por questões de financiamento, tributação e incentivos. Mas o dado novo é que estamos aí, crescendo mesmo na crise e ensinando muito as grandes marcas sobre o que o novo mundo pode vir a ser.
Salve o Afroempreendedor, que tem seus pés no Brasil, mas seu coração na Mãe África.