Troco likes por vidas
O episódio George Floyd, em que um cidadão negro norte americano é assassinado por um policial branco por asfixia, numa cena grotesca que foi filmada e viralizou nas redes sociais, provocou comoção também por aqui.
Estranho? Nem tanto, nosso espírito servil colonial segue nos condicionando enquanto povo inferiorizado, que não consegue dar conta de suas próprias questões internas.
Não que o racismo americano não seja grave e que não faça uma interlocução com o racismo à brasileira. Mas passamos 400 anos gritando veementemente sobre o genocídio negro no Brasil, e sobre tantos outros traumas provocados pelo racismo, sem sermos ouvidos, que de fato chama atenção a peculiaridade dessa comoção.
E de repente, junto dessa comoção, o antirracismo que já era e já é pauta nossa há tempos, virou agenda do dia para a branquitude, que se interpelou de algumas ações.
Uma delas, também replicada dos EUA, foi a ocupação de perfis de redes sociais de pessoas brancas notórias por pessoas negras que também mereciam maior notoriedade, mas que, por conta do racismo, acabam por ter a maior parte de sua audiência formada por pessoas pretas.
Sem citar quais perfis foram ocupados e quem os ocuparam, vamos elencar algumas observações que nos remetem à sofisticação do racismo no Brasil.
Os perfis que com seus donos alcançavam em uma live em torno de 5000 visualizações, passaram a alcançar 200 a 300 visualizações, sendo a maior parte da audiência formada pela população negra que migrou para ver os seus nas grandes contas das redes sociais, especificamente da mais usada e famosa do momento, o Instagram.
Assistimos, também. aos ataques racistas durante essas lives, com ofensas e xingamentos. Ou da forma mais sutil, apesar de todas as explicações nas páginas, as perguntas sobre quem estava ali e porque foram constantes.
Será que essas ações furaram a bolha?
Será que o objetivo era esse?
Até que ponto essa exposição das nossas e dos nossos nos garante a discussão do racismo, a partir dos diversos pontos que ele precisa ser discutido?
Se a questão for visibilidade, talvez tenha funcionado para alguns.
Mas que não tiremos nossos olhos do que realmente importa durante uma pandemia: são as nossas e os nossos que mais continuam morrendo, ainda somos a representação do cárcere e da matabilidade, ainda somos a representação do marginal, do não acesso, do excesso.
Que hajam likes, seguidores e compartilhamentos, mas que também não percamos o foco do principal: por lá, #BlackLivesMatter; por aqui, #VidasNegrasImportam.